SÃO PAULO — Aos 54 anos, com mais de 30 no Brasil, Laurent Roland Suaudeau é um dínamo para a gastronomia do país. Tudo começou em 1979, quando foi chamado por Paul Bocuse para chefiar o Saint Honoré, em Copacabana. O que seria uma experiência de meses virou um caso de amor: casou-se com uma piauiense, determinou novos padrões de cozinha e ajudou a formar uma geração de chefs. A trajetória de Laurent começou aos 13 anos, em Cholet, na região do Pays de la Loire, quando ajudava a tia Raymonde a assar frangos e fritar batatas. Dois anos depois, seu pai — um mestre metalúrgico defensor da formação profissional —, percebendo o interesse do filho por culinária, conseguiu-lhe uma vaga de ajudante em um restaurante próximo, do chef Yvon Garnier, que, vendo a aptidão do jovem, o incentivou a cursar o Lycée Technique, em Guérande. Nessa escola, Laurent conheceu seu outro grande mestre, o professor e chef Jean Guerin, que o acolheu durante as férias em seu restaurante.
— Guerin escreveu cartas de recomendação aos amigos Paul Bocuse, Pierre Troisgros e Michel Guérard, que, na época, já tinha como auxiliares Alain Ducasse e Jacky Lanusse — conta Laurent, em entrevista ao ELA GOURMET na sua escola de cozinha em São Paulo, onde vive desde 1991. — Guérard me recebeu na sua equipe. Eu tinha 17 anos. A partir daí, ele me incentivou a criar e inovar dentro das mais rígidas técnicas. Depois, fui trabalhar com Paul Bocuse, onde aprendi a disciplina, a hierarquia de uma cozinha rigorosa e dogmática e o respeito pelos produtos.
Quando Laurent chegou ao Brasil, em 1979, o país se preparava para a abertura política, não havia internet, o celular era coisa do desenho animado dos Jetsons, a moda era uma das únicas manifestações culturais com liberdade de expressão, e a novela “Feijão maravilha” fazia sucesso. O que acontecia na Europa e nos Estados Unidos demorava para chegar por estas bandas, e ainda havia a limitação aos importados.
Laurent encontrou no Rio uma equipe empenhada, mas sem qualificação. Faltavam equipamentos e produtos básicos para preparar os clássicos de Lyon. Antropólogo intuitivo, ele fez do estranhamento seu aliado. Passou a estudar os hábitos dos brasileiros, seus símbolos, os produtos que usavam, visitou a casa de seus colegas de cozinha e, com conhecimento e técnica, revelou os sabores desconhecidos dos produtos nativos. Apresentou nossas frutas e legumes com texturas e formas surpreendentes em pratos deliciosos. Envolveu-se e encantou-se com a cidade que o acolheu, conquistou o gosto dos clientes, o respeito dos companheiros de trabalho e se apaixonou pela piauiense Dejacy, a Sissi, sua mulher, sócia e mãe de seus dois filhos: a atriz Janaina e o piloto de avião Gregory.
Depois do Saint Honoré, abriu seu próprio restaurante, o Laurent, na Rua Dona Mariana. E nos 12 anos de Rio de Janeiro, entre os franceses no Hotel Méridien e a casa de Botafogo, fez pratos como a mousseline de mandioquinha com caviar, o peito de pato ao molho de jabuticaba, a sopa de caqui ao caramelo, o creme de aipim ao maracujá e o folheado de manga.
Em São Paulo, seu restaurante, o Laurent, atraiu a atenção ao fazer o que não se ousava ainda na “terra dos italianos”: combinar produtos brasileiros com técnica europeia. Daí surgiram receitas como a lasanha de palmito pupunha com camarão e o suflê de acarajé com granité de caipirinha.
Em 2007, o chef abriu o Espaço Laurent, onde agora faz profissionalmente o que incentivava nos seus restaurantes: a formação de cozinheiros. Sem nunca se afastar da criação, claro. Algumas das receitas que elaborou desde então são o atum com maionese de jambu, a lagostina com blinis de tapioca e velouté de coco, o fondant de galinha caipira com vinagrete de sementes de quiabo, e os bombons de foie gras em geleia de tamarindo.
Além da escola de cozinha e da sorveteria Vipiteno Gelateria (que não podia deixar de ter sabores como o tartin de caju e o tiramisù de cupuaçu), hoje Laurent dá consultoria para hotéis e restaurantes de Norte a Sul. E não cansa de se encantar com o Brasil.
— Ainda há muito para se explorar das tradições culinárias brasileiras — diz ele, que é um dos protagonistas do documentário “Por que você partiu? Histórias de um doce exílio”, do diretor Eric Belhassen, que tem estreia prevista para o próximo dia 6 nos cinemas. O filme conta a história de chefs franceses que escolheram permanecer no Brasil.
No caso de Laurent, o interesse pelo país, que abrange hoje principalmente a educação de cozinheiros, não o deixa cego para as falhas nacionais.
— Eu ainda fico espantado com a falta de sensibilidade das autoridades brasileiras que insistem, mesmo às vésperas de grandes eventos, em não enxergar a necessidade de facilitar a importação de equipamentos de qualidade e de estimular a vocação do país para o turismo e a gastronomia.
Mas a falta de incentivo não é suficiente para minar suas perspectivas para o futuro da cozinha.
— O mundo está nos mostrando que queremos transparência de propostas e não um mundo de faz de conta. E na cozinha não será diferente. A culinária do futuro exigirá cada vez mais preparo e formação de seus executantes, os produtos de qualidade serão cada vez mais valorizados. A boa gestão significará muito para o sucesso dos negócios culinários. Consumiremos menos proteína animal, as leguminosas voltarão com força às mesas. As técnicas e seus processos serão cada vez mais importantes para a boa mesa. Não se falará de cozimento em baixa ou alta temperatura e, sim, em cozimento em temperatura adequada ao produto e ao processo — defende Laurent, que treina 14 chefs por ano.